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Foto: Fernando Rezende |
Pode-se dizer que a vida é uma verdadeira “caixinha de surpresas”, capaz de pregar peças dentro da realidade de algumas pessoas, tirando o que talvez não tenha volta, a visão.
De acordo com a última pesquisa aplicada em 2010 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no Brasil, 35.774.392 pessoas possuem algum tipo de deficiência visual, das quais 6.056.533 enxergam com grande dificuldade e 506.377 não enxergam.
Em Sorocaba, a pesquisa mostra que 96.331 pessoas têm algum tipo de deficiência visual - 14.772 que enxergam com grande dificuldade e 2.516 não enxergam.
A oftalmologista Lindalva de Morais explica que a deficiência visual pode ser classificada nestes dois grupos: portadores de cegueira e portadores de visão subnormal, conhecido como baixa visão, que podem surgir decorrentes de doenças orgânicas, como, por exemplo, diabetes, glaucoma ou algum tipo de trauma. “Hoje, mais de 50% dos acidentes domésticos, cuja consequência é a perda visual, acontecem com crianças, e na presença de um adulto”, pondera Lindalva.
A mãe de família Elza Maria Coitim, 36 anos, é diabética do tipo 1 desde os 8 anos de idade, e foi diagnosticada como portadora de cegueira no dia 19 de junho deste ano.
Ela conta que começou a perceber a dificuldade para enxergar em setembro de 2014, quando procurou um oftalmologista do grupo BOS (Banco de Olhos de Sorocaba). Foi submetida a sessões de laser e, então, acabou diagnosticada pelos médicos com perda de visão total.
“Eu fiz três sessões e também tive uma hemorragia. No dia 19, os médicos vieram com a notícia de que não teria mais jeito, eu estava cega. Fiquei sem chão e sabia que não poderia mais ver o pôr do Sol.” A perda visual de Elza foi um choque acompanhado de outros. Após 19 anos de casada, foi deixada pelo marido por conta de sua doença.
Atualmente, ela mora com o filho Lucas Coitim dos Reis, 10 anos, que teve grande dificuldade em aceitar a realidade enfrentada pela mãe. “Ele fazia graça na minha frente e eu dizia: 'Filho, a mãe não está enxergando, não posso ver.' E ele comentava: ‘Impossível, mãe! Você enxergava, por que não enxerga mais?' Não entrava na cabecinha dele”, lamenta emocionada.
Questionada sobre não poder olhar para o filho, Elza afirma lembrar-se do sorriso dele. “Eu não o vejo, mas o vejo com o coração; lembro-me do sorriso dele e ainda consigo enxergá-lo sorrindo para mim. Isso me dá forças.”
Ela conta que, hoje, sua maior dificuldade como deficiente visual é chegar perto do fogão, e ressalta que, atualmente, a mãe é quem cozinha para ela. “Eu tinha cabelo comprido. Quando fui chegar perto da panela de arroz para sentir se ele já estava seco, meu cabelo começou a pegar fogo. Se não fosse meu menino, minha cabeça estaria toda queimada. Peguei trauma do fogão.”
Em tratamento no Centro de Reabilitação BOS Vida Nova há um mês, Elza conta que todo o aprendizado está sendo ótimo. “Estou aprendendo a usar a bengala, a cozinhar novamente e a perder o medo do fogo. Andar sozinha também está sendo um desafio.” Para Elza, o medo de perder o filho é sua maior aflição. “Tenho medo de sair sozinha com ele e alguém roubá-lo de mim. Jamais quero perder meu filho.”
CONVIVENDO COM O IMPACTO – A oftalmologista explica que a grande dificuldade de uma pessoa portadora da cegueira é o impacto social, educacional e familiar. “A discriminação hoje é grande, infelizmente. A família precisa ser muito bem-estruturada para dar o suporte necessário.”
Segundo a especialista, a deficiência visual diagnosticada no recém-nascido, ao limitar o número de experiências e informações ao logo dos anos, interfere no desenvolvimento motor, cognitivo e emocional; diferente de alguém que já tenha desenvolvido a visão, mas que tenha perdido com o tempo.
“O bebê vai precisar de uma família bem-orientada. Ele precisa atender às necessidades básicas através de estímulos. Além disso, de alguma forma precisa receber informações para que não cresça com algum tipo de atraso. Já uma pessoa que perde a visão com o tempo, dispõe de um conceito básico das coisas; a maior dificuldade é na aceitação.”
Ela ressalta que mais de 80% do que a pessoa conhece hoje é através da visão. “Quem já tem uma experiência visual prévia, e perde, passa por um grande processo emocional. Geralmente, depois de um ano, é possível notar a aceitação. Antes disso, a pessoa tenta de todas as formas achar uma resolução para o problema, até descobrir que não existe.”
PROMOVENDO A INDEPENDÊNCIA – Como forma de intervir, muitas vezes de maneira precoce na vida de portadores de deficiência visual, tendo como finalidade promover a independência, o grupo BOS dispõe-se de dois métodos, a Asac (Associação Sorocabana de Atividades para Deficientes Visuais) e o Centro de Reabilitação Vida Nova.
O projeto do Centro de Reabilitação visa à promoção do bem-estar social da pessoa com deficiência visual e auditiva, através da prestação de atendimento especializado. “Nós desenvolvemos programas de atendimento para possibilitar a independência e autonomia da pessoa com deficiência; por esse motivo, os programas são adaptados às necessidades específicas e individuais de cada um.”
Já a coordenadora pedagógica da Asac, Renata Millego Martins, explica que, dentro da associação, que atende em média a 150 pessoas e presta de 800 a 900 atendimentos desde recém-nascidos até a fase adulta, é possível encontrar todo o estímulo visual necessário. “Nós ensinamos o Braille, que é essencial para a leitura e a escrita. Também temos a técnica do Soroban, que é a matemática, além de outras atividades, como orientação e mobilidade, terapia ocupacional, artesanato, informática, psicólogos e uma fisioterapeuta.”
Ela ressalta que a diferença entre os dois projetos está no processo de aceitação da pessoa. “O Vida Nova, geralmente, atende a pessoas que estão com dificuldade de aceitar a perda visual. Muitas vezes, o primeiro atendimento é feito lá, depois são encaminhados para a Asac.”
Luiz Carlos Queiroz Júnior, 24 anos, nasceu com catarata e foi submetido a uma cirurgia. Devido a alguns problemas, teve descolamento de retina no olho direito e ficou com baixa visão no olho esquerdo. Hoje, sem poder enxergar, buscou ajuda na Asac e afirma que entrou com a finalidade de aprender o sistema Braille. “Comecei o Braille desde 2003. No começo a dificuldade é desenvolver a sensibilidade, mas, depois que aprende, é muito fácil.”
Ele conta que uma das grandes dificuldades após perder a visão é andar sozinho. “Graças à Asac eu aprendi a andar de bengala. Hoje consigo me virar sozinho e isso não é mais um problema. A dificuldade agora é entrar no mercado de trabalho.”
Lucas Gabriel Porfírio das Neves, 12 anos, é um dos exemplos dentro da associação. Segundo Renata, a aceitação de sua deficiência é um caso raro. “Não é sempre que nos deparamos com esses exemplos como o do Lucas. Muitas pessoas passam por um processo, entram em luto pela perda. Ele não.”
Neves afirma ter aceitado a perda visual com a ajuda da rápida adaptação. “Eu já enxerguei meus familiares, já conheço as cores, animais, lugares. Eu sei que posso viver como uma pessoa normal. Eu me sinto incomodado, mas a gente tem que aceitar porque existe adaptação.”
Diário de Sorocaba